quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

RAIOU, RESPLANDECEU, ILUMINOU... (Crônica)



4 anos depois de seu primeiro texto no EnTHulho Musical, esse meu querido amigo de Santos (SP) Walter de Azevedo - um talentoso escritor que tanto admiro - retorna ao blogue para falar de outra grande paixão sua: nossa artista do mês Clara Nunes!

Bastante ocupado, em meio a correria, Walter mais uma vez foi bastante atencioso e nos brinda, hoje, com uma crônica apaixonada e iluminada. Sabia de sua paixão por Clara, então fui novamente cara de pau e solicitei o texto. O resultado não poderia me deixar mais satisfeito!

Walter, você é um MONSTRO DO BEM!!! Rs. Muito obrigado, meu amigo!



 Não sei quando foi a primeira vez que vi Clara Nunes. Talvez nem mesmo me lembre de quando foi meu primeiro contato com sua voz, mas guardo de minha infância uma recordação viva daquela que seria uma de minhas cantoras preferidas.

 Em uma noite distante da década de 70 (me deixem ser dramático), a Rede Globo apresentou em sua linha de shows um programa com Sargentelli, o homem que ficou nacionalmente conhecido por descobrir “mulatas tipo exportação”. Envolvido com o mundo do samba, Sargentelli trazia em seu programa uma série de convidados. Um desses era ninguém menos do que nossa estrela: Clara Nunes. Apresentada como “a minha afilhada”, Clara entrou em cena e me conquistou.

Apesar de ser conhecida como sambista, acho difícil classificar Clara Nunes. Poucas cantoras passearam por tantos estilos, ritmos e fases como ela, desde os primeiros discos, com os famosos sambas-canção até seus últimos álbuns com músicas de forte apelo político e religioso. Aliás, a religiosidade foi uma das grandes marcas de Clara. Segundo meu amigo Vitor de Oliveira, Clara Nunes foi a “primeira orixá brasileira”. Uma definição perfeita! Era assim que Clara se apresentava. E não estou falando de roupas e adereços, mas sim de uma luz que parecia emanar da própria cantora. Foi Clara quem me apresentou a Iansã, a Ogum, a Xangô, a Nanã e a tantas outras entidades da riquíssima cultura afro-brasileira. A canção “Guerreira”, em que Clara saúda os orixás, era de um fascínio incrível pra mim. Peguei o disco de minha tia várias vezes só pra ouvir aquela música. Claro que acabei amando as outras do álbum, seria impossível que isso não acontecesse. Essa religiosidade por ser conferida em toda a extensão de sua vasta obra. Tomemos como exemplo a já citada “Guerreira”. No entanto, não posso deixar de destacar a belíssima “A Deusa dos Orixás”, gravação histórica e arrepiante da cantora mineira.


A paixão de Clara Nunes pelo carnaval, seu amor pela Portela, tradicional escola de samba do Rio de Janeiro, também não deve ser esquecida. Em seu último sucesso, “Portela na Avenida”, Clara canta de forma inesquecível seu amor pela escola de Madureira.

Talvez o que Clara deixe de mais significativo em seu trabalho, seja a preocupação em mesclar vários ritmos, sintetizando várias influências e assim, contribuir para o surgimento de uma autêntica música popular brasileira. Uma música que funciona como espelho da mistura de culturas que formam o nosso país. O samba, a música romântica, os pontos de macumba, a fé, a esperança, tudo está dentro da obra de Clara Nunes. Não só da obra, mas como da própria Clara.
  

Eu poderia ficar aqui enumerando as diversas canções de Clara que me tocam por esse ou aquele motivo. Também poderia continuar falando sobre como percebo sua obra, mas acho que isso seria redundante. Não podemos limitar Clara Nunes a isso. Clara era uma “força da natureza” (me perdoem o trocadilho e o lugar comum). Quem quiser saber sobre a mineira guerreira, filha de Ogum com Iansã, precisa vê-la e ouvi-la. Só assim pode-se ter um vislumbre do que foi Clara Nunes e do que sua perda representou para a música.

 WALTER DE AZEVEDO
Escritor
Santos, SP. 



E vamos encerrar esse post com mais uma música dessa Morena brasileiríssima (e não da Angola), que, onde quer que esteja, está emocionada (como nós) com o texto do Walter!


MORENA DE ANGOLA
Chico Buarque.
Clara Nunes

Morena de Angola
Que leva o chocalho
Amarrado na canela
Será que ela mexe o chocalho
Ou chocalho é que mexe com ela?

Será que a morena cochila
Escutando o cochicho do chocalho?
Será que desperta gingando
E já sai chocalhando pro trabalho?

Morena de Angola
Que leva o chocalho
Amarrado na canela
Será que ela mexe o chocalho
Ou chocalho é que mexe com ela?

Será que ela tá na cozinha
Guisando a galinha à cabidela?
Será que esqueceu da galinha
E ficou batucando na panela?
Será que no meio da mata
Na moita, morena ainda chocalha?
Será que ela não fica afoita
Pra dançar na chama da batalha?
Morena de Angola que leva
O chocalho amarrado na canela
Passando pelo regimento ela faz requebrar a sentinela

Morena de Angola
Que leva o chocalho
Amarrado na canela
Será que ela mexe o chocalho
Ou chocalho é que mexe com ela?

Será que quando vai pra cama
Morena se esquece dos chocalhos?
Será que namora fazendo bochincho
Com seus penduricalhos?

Morena de Angola
Que leva o chocalho
Amarrado na canela
Será que ela mexe o chocalho
Ou chocalho é que mexe com ela?

Será que ela tá caprichando
No peixe que eu trouxe de benguela?
Será que tá no remelexo
E abandonou meu peixe na tigela?
Será que quando fica choca
Põe de quarentena o seu chocalho?
Será que depois ela bota a canela no nicho do pirralho?
Morela de Angola que leva o chocalho amarrado na canela
Eu acho que deixei um cacho
Do meu coração na catumbela

Morena de Angola
Que leva o chocalho
Amarrado na canela
Será que ela mexe o chocalho
Ou chocalho é que mexe com ela?

Morena de Angola que leva o chocalho amarrado na canela
Morena, bichinha danada, minha camarada do MPLA

Morena de Angola
Que leva o chocalho
Amarrado na canela
Será que ela mexe o chocalho
Ou chocalho é que mexe com ela?


TH - ;)

3 comentários:

LinkWithin

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...