sábado, 26 de fevereiro de 2011

ÚLTIMA FAIXA: Vambora! (Crônica)



[Cronista convidado: Dan MCPhee*]
[Ao som de "Esquadros"]



Só a voz e o talento musical já seriam suficientes para me cativar mas, neste caso, fomos além: ela ainda era inteligente e sensível, poeticamente loquaz e milimetricamente precisa no seu traduzir as emoções; fazia-me crer, com requintes de magia, que observávamos o mundo de lugares diferentes, mas – como duvidar? - sob o mesmo prisma, do mesmo ângulo... Não sei bem por qual razão mas, até há bem pouco tempo, acreditava que compartilhávamos, inclusive, a mesma casa zodiacal. É que alguns encontros são tão perfeitos que quase os inventamos em mapa astral e forjamos coincidências que os tornem ainda mais incríveis – como se fosse necessário melhorar aquilo que, por si só, já é suficientemente bom e epifânico. Como disse, errei. Ela, libriana melíflua de “remoto controle”. Eu, uma casa atrás, esquadrinhando tudo, atento, do meu cantinho: virginianíssimo.
Acho que “filtrar os graus” deve ser, de longe, a tarefa a que ela e eu mais nos dedicamos.
Ela, então, verte observações em letra e música como se, depois de criar a alma, fosse capaz de lhe dar um corpo ao qual realmente merecesse estar unida, por força e graça da mais fina sintonia, transformando o produto final naquilo que todo artista pretende que seu trabalho seja: porta-voz das emoções e do modo de ver que deram, afinal, origem e sentido àquilo.
E, sim, tenho o palpite de que muitos concordarão quando digo que Adriana é isso: uma sensibilidade vitoriosa, capaz de se fazer ouvir e sentir sem muito esforço, posto que é inteligentemente simples, embora, simultaneamente, encerre complexa sabedoria ao descrever tão bem, em linhas musicais, estados d´alma, por vezes, tão custosos de se traduzir ou assumir.
Dei-me conta disso quando, num daqueles repentes felizes, subitamente escutei numa canção sua uma verdade, meu Deus, tão minha: “Há algo que jamais se esclareceu: onde foi, exatamente, que larguei, naquele dia mesmo, o leão que sempre cavalguei?”
Passei, junto dela, a procurar o tal leão que, muito vezenquando, reencontro aqui e ali, lembrando-me sempre de agradecê-la pelo conselho, pela luz, pela metáfora tão bem construída de uma vida que, teimosa, insiste em se decompor e se recompor só pra ver se há na reinvenção alguma graça, algum motivo, algum regozijo oculto – quiçá clandestino?
Porque embora haja a dor, o sufoco, as perguntas sem respostas e o eterno perscrutar da alma e do sentir alheio que nos causam enorme cansaço e nos desafiam os esquadros do entendimento, há também momentos outros em que, de nós desatados, podemos nos render à “maresia” e conhecer outros portos, outras nuances, maneiras mais leves de sentiviver guiados – oh, maravilha! – pela mesma voz e pela mesma sabedoria das horas mais profundas e analíticas de existir.
Sim, porque quem tem sensibilidade suficiente para tocar, através da música, questões tão profundas da humanidade, também há de ter (como Adriana tem!) olhos bem atentos para o que é simples, despretensioso e franciscano. Aquilo tudo a que, se você entende o que viver realmente representa, sabe dar valor e aproveitar até a última gotinha.
Eis, de novo, a diferença: eu aproveito, ela, musica! Torna tudo em delícias cantadas só para nos ouriçar ainda mais os sentidos e potencializar o desfrute, o sorver, o entender da coisa!
É que, “cantadas”, as verdades doem menos. O espelho fica menos agressivo e, o melhor disso tudo, o que é bom não deixa de acontecer: refletimos. Passamos, sorrindo, por momentos que, sem as cores e o encanto da boa música, talvez fossem insuportavelmente cinza e sofridos.
É o poder do pozinho mágico de “par-tim-pim”: dar asas ao coração e à imaginação de forma doce, embalando sonhos, ratificando frustrações, fazendo explodir os desejos e as revoltas de uma maneira que, de tão poética, nem configura mais agressão, é antes um grito musicado de liberdade ou, quem sabe, de redenção pela arte.
Sei é que Adriana me justifica, por isso eu a amo. Experimento, através dela, a maravilhosa sensação de cumplicidade não de ações, mas de motivos. Aquela sintonia mais profunda, capaz de fundir em amálgama duas sensibilidades afins. Dois gritos que ecoam no espaço a favor de uma mesma almejada liberdade. Dois questionadores. Dois pensa-dores. Duas lágrimas de alegria ao final da mesma epifania.
Ah, que mais dizer? Melhor sentir. O silêncio dará cabo de maneira mais satisfatória da tradução do que vem depois...

Vambora!



* É professor de São Paulo e dono dos seguintes blogues:

ALFARRÁBIO DO MEU CORAÇÃO
HORAS AVELUDADAS
MOONDO

*Participação como amigo convidado: http://enthulho.blogspot.com/2010/05/amigo-musical-convidado-2-daniel-vicola.html




TH - Com a Drica, vamos todos, mesmo!


10 comentários:

  1. Hoje estou só passando, vou embora. Mas amanhã me deixarei levar por este texto.

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  2. Ah, que emoção - e que honra! - figurar entre os ilustres que por aqui dão o ar de sua graça!
    Alê, querida, obrigado! Fico muito lisonjeado com as suas palavras, embora não me considere assim tão merecedor delas. Adriana é uma artista, eu sou amadoríssimo e, como diz a mestra, "faço questão de continuar a ser"! rs.
    Ao Márcio, o pedido: volte! Quero muito saber o que achou disso!
    Abraços afetuosos aos dois!
    E ao dono do Enthulho pela oportunidade, ca-la-ru! ;-)

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  3. que coisa boa entrar em um blog e encontrar algo tão delicioso como esta crônica ...

    bjão

    ;-)

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  4. Que texto bárbaro!!!! É simplesmente devastador o que uma boa junção de palavras pode nos ampliar...e redimir, redefinir, reinventar, desformatar dos esquadros-padrões e nos fazer redesenhar outras tantas figuras geométricas inclassificáveis. Adriana, sem dúvida, é uma dessas figuras absolutamente única e redentora!

    VAMBORA! Com Adriana sempre e pó de par-tim-pim!para enxergarmos além do óbvio...

    BEIJOS, THIAGO e DAN! Parabéns aos dois!!!

    Lou

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  5. Lou!
    Muito obrigado pelas palavras, pelo acréscimo, pela magia que você permitiu acontecer também em você!
    Paulo, igualmente agradecido pelo carinho.
    Beijos.

    Dan.

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  6. Os elogios ao texto do Dan sempre serão poucos.
    Ele capta a essência do que gosta com uma facilidade incrivel - e traduz-se naqueles minimos pontos que ninguém consegue descrever.
    um orgulho e tanto!
    ;)

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  7. Cara, que texto incrível!!

    Tô besta aqui do outro lado. Nunca vi a Adriana tão bem retratada.

    Parabéns TH, Dan!!

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  8. Dan:

    Depois de ler você,

    "poetas para quê?
    Os deuses, as dúvidas
    Pra que amendoeiras pelas ruas?
    Pra que servem as ruas?"

    "Eu perco o chão." (!!!) "Pelos ares".

    Demais o texto. E eu, obsessivo, amanhã, por certo, releio.

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  9. Eddy!
    Muito obrigado! =)
    Tenho um carinho muito grande por Adriana e tentei ser o mais fiel possível ao que ela me faz sentir.
    Márcio, querido... Lisonjeado é pouco. Suas palavras me fizeram realmente feliz!
    Muito obrigado, de coração.
    Abraço, rapazes!

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