terça-feira, 4 de janeiro de 2011

AMIGO MUSICAL CONVIDADO # 21 - Pedro Lucena!

O artista visual também esconde um refinado gosto musical



Uma imagem vale mais do que mil palavras. E trocentos desenhos traçam muito mais o perfil do desenhista do que se imagina!
O Pedro é um grande comunicador. Não, ele não fez Comunicação Social, ou tem programa de rádio ou auditório não. Ele se comunica (e muito bem) com sua arte. Grande artista visual, ele deposita muita paixão em tudo o que a ilustração requer. Talvez esteja aí a grande chave de seus empreendimentos cada vez mais bem sucedidos: o sentimento intenso com que trabalha.
Um dos melhores presentes que já recebi na vida foi um desenho personalizado seu. "Todo mundo é capaz de desenhar, basta ter a iniciativa" ele diz, modesto. O curioso é reconhecer seu traço em trabalhos bem inusitados, como os de obras literárias famosas (Iracema, O Cortiço, Alice) - para cada uma, ele dá sua visão peculiar, registrando sua marca. Muito fácil encontrá-lo apresentando seus projetos em exposições individuais, sublinhando com seus desenhos revistas brasileiras como Encontro, Metrópole, Zupi, Dissenso, Woof Magazine e Saúde – e internacionais como a australiana Pagesonline, a estadunidense Design for Mankind, e a israelita A5. Também podemos vê-lo estampar seus traços em camisetas para as marcas Henrique Muniz (AL), Is (MG) e Springleap (África do Sul), e também ilustrar vários livros infantis brasileiros, dentre tantos outros trabalhos gráficos.
Pedro prova, em qualquer conversa informal, que não se limita apenas ao grafite no mundo das artes. Ele possui uma carga cultural muito forte em outros ramos, como o literário e, principalmente, o musical. Grande fã de sambões antigos, ele faz seu relato ser um dos mais emocionantes que já passaram nessa seção do blog.
Conheci-o numa aula de natação e desde então rolou uma grande empatia com este gigante tagarela - é, faltou dizer que ele também é um grande comunicador por que FALA, FALA FALA, FALA e FALA pelos cotovelos! :)
O rapaz alagoano também fez Direito e é professor de Inglês e de Português para gringos! Ufa!
Abaixo, uma pequena amostra de sua arte e seu relato, trazendo para o blog a grande contribuição de Milton Carlos para o samba e, por consequência, para a música brasileira. O artista, que teve sua carreira abreviada, tinha como peculiaridade uma voz andrógina - quem ouvisse diria fácil que se tratava de uma mulher cantando. Curiosidades (das grandes) de nossa música!



Pequena amostra de sua obra: em destaque, sua leitura para o "chá" de Alice. Nos detalhes, em cima, "Reciclar" e embaixo, "Iracema".




Meus pais tinham um LP que sempre me fascinou.
Um álbum onde se via um homem de boca entreaberta e olhos um tanto suplicantes, com um violão em punho, e parecia que cantava uma canção, ou fingia cantar. Creio que fingia, pois sua expressão era muito convincente. O homem tinha um cabelo encaracolado e os dentes meio tortos, a camisa um pouco aberta deixava à mostra o peito cabeludo com uma corrente de prata que pendia sobre os pelos negros que a camisa descobria. Via-se nitidamente que o estilo era dos anos 70, pois a roupa, jóias e cabelo deixavam transparecer uma época que para mim talvez tenha sido uma das mais ricas musicalmente.
Lia-se na capa desse álbum o nome Milton Carlos, e abaixo Samba Quadrado. E era aí onde começava meu fascínio por aquele LP. O fascinante em questão comparava-se aos episódios de Charlie Brown e Snoopy que eu costumava assistir e onde via a personagem Marcie chamar a Patty Pimentinha de "senhor". Para mim aquele homem de cabelos negros encaracolados e peito de fora não condizia com a voz feminina afinadíssima que se escutava quando se punha o álbum para tocar.
Igualmente era Patty Pimentinha, uma menina a quem Marcie chamava de "senhor" sem nenhum pudor, e de qualquer forma não encaixava uma coisa com a outra, ou sim.
Hoje meu fascínio é claro, tinha a ver com minha sexualidade que já aflorava uma curiosidade pelo mundo a minha volta, e que se intrigava com esses fatos. Intrigavam-me esses seres que não estavam nos padrões que me eram apresentados como certos: pai, mãe, masculino, feminino, homem e mulher.
Milton Carlos e seu samba quadrado era imposto a mim e a meus irmãos em sábados e domingos desde que éramos muito pequenos. Meus pais adoravam e escutavam sempre, apesar do LP ter uma história à parte, quando alguém o esqueceu ao sol e ele entortou. Desespero geral! Puseram-no entre pesos e mais pesos para voltar ao normal e não é que ele quase voltou? Ficou meio torto, mas funcionava super bem e foi durante toda a minha infância e adolescência a alegria dos meus pais, e depois de um tempo a minha também, pois consegui digerir todo aquele universo mágico e triste do cantor que morreu em um acidente de carro quando sua carreira tinha começado a decolar. Morreu jovem, no início de uma fama que deixou sucessos como "Memórias do Café Nice" (a minha escolhida), "Eu juro que te morreria minha", "Piston de gafieira", "Jogo de damas", "Irônica" e "Samba quadrado", só para citar algumas de minhas favoritas. Ouvir Milton Carlos para mim tem gosto de saudade e hoje muito mais porque meu pai se foi e me arrependo de não ter entoado no cemitério, em seu sepultamento, qualquer uma dessas belíssimas canções que embalaram tantas bebedeiras, brigas, alegrias, decepções, cenas apaixonadas entre meus pais, nos fins de semana tão ensolarados de minhas memórias...

PEDRO LUCENA

Conheça o trabalho de Pedro no
http://www.pedrolucena.com/




A capa que tanto intrigou nosso convidado.




************************************
MEMÓRIAS DO CAFÉ NICE
Composição: Artúlio Reis / Monalisa
Interpretação: Milton Carlos


Ah! Que saudade me dá
Ah! Que saudade me dá
Do bate papo
Do disse-me-disse
Lá do Café Nice
Ah! Que saudade me dá

De cadilac chegava o Chico Alves
Logo no samba queria entrar
E Ismael só na de pão com manteiga
Até esquecia a nega pra poder ficar
E o samba varava a madrugada
O Café Nice era um pedaço do céu
Num canto batucava João de Barro
Lamartine, Pixinguinha,
Almirante e Noel

Ah! Que saudade me dá...

Caymmi sem barriga e sem madeixas
Mostrava a Carmem o que é que a baiana tem
Ary Barroso no piano reclamava
Que Donga fez um samba que não é de ninguém
E o samba varava a madrugada
O Café Nice amanhecia em festa
Cartola afina a viola
Que pena que agora só a saudade é que resta

Ah! Que saudade me dá...



TH - Grande homenagem a artistas eternizados na MPB!




7 comentários:

  1. Primeirão a comentar!
    Adorei o texto do Pedro, identifiquei-me total!!! Lá em casa tinha cada disco com capas bem intrigantes..
    E a musica é gostosa, tô cantarolando ate agora. A voz do homem eh mesmo essa?????

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  2. Milton Carlos sempre foi pérola esquecida do samba brasileiro.
    Parabéns ao Pedro por resgatá-lo!

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  3. O relato do Pedrin foi um dos melhores que já passaram aqui!

    Ale e Felipe, obrigado pela força de sempre!!!

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  4. Gostei muito de conhecer. A vossa juventude é forte e isso é bom. O texto dele é muito bom.

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  5. Sambinha eh sempre bom!! Adorei a historia do Pedro

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  6. Thiago,

    Que lindo!!!

    Então eu sou sua primeira CÚMPLICE!!! Olha lá, hein, não vai se meter em confusão, senão sobra para os "cúmplices"...hahaha
    Nossa, Amei!!! De paixão mesmo!!! Aliás, só assim a Loba sabe amar: com muita paixão e tesão!

    FELIZ 2011 PRA TI!!!

    Agora, infelizmente, não dá pra ler o post inteiro porque vou viajar amanhã bem cedo e nem arrumei a mala...hehehe....tô numa pressa feia, mas assim que voltar, venho estabelecer melhor essa CUMPLICIDADE...tô louca pelos detalhes sórdidos do ENthULHO....e do Thiago, é claro...

    E preciso saber mais sobre Música! O Márcio Nicolau toda hora me enfia uma canção que eu nem conhecia goela abaixo...e o cara é muito mais novo que eu, é uma afronta!

    E o pior é que você também com essa cara de novinho dá um baile em mim em cultura musical..tô ferrada com vcs dois!!!

    Não tenho assunto com vocês. Fico me sentindo excluída...hehehe...uma "music-less"....

    BEIJÃO!!!!

    lU

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  7. Oi, gente,
    Que legal que vocês gostaram!
    Fico tão feliz com esses comentários sobre meu relato.
    Foi do fundo do meu coração cheio de saudades.
    Saudações a todos.

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